Maiana Diniz - Repórter da Agência Brasil
As
causas e os impactos do rompimento da barragem de rejeitos de mineração
da Samarco, empresa controlada pela Vale e pela BHP Bilinton, em
Mariana (MG) ainda estão sendo investigados. A subprocuradora-geral da
República, Sandra Cureau, afirma que já é possível dizer que houve
“negligência e omissão” da empresa no caso.
Em entrevista à Agencia Brasil,
a coordenadora da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do
Ministério Público Federal disse que há vários indícios de descuido,
como a falta de um plano de contingência e de controle técnico sobre o
volume que a barragem de rejeitos suportava. “A coisa foi tão
negligenciada que nem a Samarco sabia exatamente o que estava
acontecendo. Eles chegaram a falar em duas barragens rompidas, mas só se
rompeu a de Fundão. Quer prova maior de negligência que isso?”
Durante
a conversa, Sandra defendeu que a Samarco deve arcar com todos os
prejuízos, criminais e cíveis decorrentes do desastre. Ela explicou que
se a empresa não puder pagar pelo estrago, as controladoras da
mineradora, a brasileira Vale e a australiana BHP Billiton, podem ser
acionadas. “Não vai ser o contribuinte que vai pagar pelos prejuízos do
desastre”, declarou.
A onda de lama formada a partir do
rompimento da barragem de Fundão, em 5 de novembro, destruiu o distrito
de Bento Rodrigues e deixou mais de 600 desabrigados. Já foram
confirmadas 11 mortes, dois corpos aguardam identificação e oito
pessoas estão desaparecidas. Desde que chegou ao Rio Doce, a lama
impediu a captação de água em muitas cidades, provocou a morte de
toneladas de peixes e destruiu a paisagem local, até alcançar o mar no
Espírito Santo.
Confira os principais trechos da entrevista:
Agência Brasil: As causas do rompimento da Barragem de Fundão ainda estão sendo investigadas. Quais são as falhas já observadas no caso?
Sandra Cureau:
Houve negligência e omissão por parte da Samarco, indiscutivelmente.
Barragens de rejeitos são construídas, normalmente, mais ou menos
baixas, e depois vão sendo elevadas, na medida em que se coloca mais e
mais resíduos. No caso era lama - mas havia também mercúrio, havia
resíduos até de outras mineradoras. Para fazer a elevação de barragens é
preciso que haja controle técnico, é preciso saber quanto a barragem
vai suportar, até quando está segura. E isso não foi feito, tanto que a
barragem simplesmente se rompeu de uma hora para outra.
A Samarco
não tinha um plano de contingência, não tinha sirene, alarme ou
qualquer maneira de avisar à população. A barragem ficava na parte mais
elevada da região, juntamente com os escritórios da Samarco, enquanto a
comunidade e o distrito todo ficavam na parte mais baixa. Se a empresa
tivesse, por exemplo, uma sirene, as pessoas imediatamente saberiam que a
barragem se rompeu e talvez todas tivessem sido salvas. Porque as
pessoas que conseguiram fugir, subiram. Os que não conseguiram subir a
tempo, morreram.
Em um primeiro momento, eles disseram que tinham
avisado o prefeito de Mariana, depois já era o líder da comunidade, que
ninguém sabe quem foi. Eu participei de uma audiência pública na Câmara
Federal e foi passado o depoimento de uma moradora que disse que, na
verdade, ninguém avisou ninguém. No primeiro momento, a Samarco se
recusou a falar com a população.
A coisa foi tão negligenciada
que nem a Samarco sabia exatamente o que estava acontecendo. Eles
chegaram a falar em duas barragens, mas só se rompeu a de Fundão. Quer
prova maior de negligência que isso?
Agência Brasil:
As empresas que controlam a mineradora Samarco - a Vale e a BHP
Billiton - podem ser responsabilizadas legalmente pela tragédia?
Sandra Cureau:
Não há dúvida de que a barragem pertencia à Samarco e também não há
dúvida de que quem controla a Samarco são a Vale e a Billiton. A
Billiton já tem um histórico de desastres mundo afora.
A
denúncia criminal pode ser feita para uma pessoa jurídica, mas tem que
envolver também as pessoas físicas dos diretores. Em princípio, a
denúncia será contra a Samarco e os diretores da empresa. Na
responsabilidade civil, se a Samarco se tornar insolvente, aí as
controladoras podem ser chamadas. Se a Samarco não tiver bens, quem vai
pagar são as controladoras. Não vai ser o contribuinte que vai pagar
pelos prejuízos do desastre.
Agência Brasil: Como a senhora avalia a lei de segurança das barragens de rejeitos de mineração no Brasil?
Sandra Cureau:
O grande problema no Brasil, em relação a praticamente tudo que diz
respeito ao meio ambiente, é ter pessoas para fiscalizar o cumprimento
das leis. Leis, a gente tem boas e bastante, mas não tem ninguém para
fiscalizar. Por exemplo, há uma quantidade imensa de mineradoras em
Minas Gerais. Mas pelo que se apurou, havia quatro fiscais na Fundação
Estadual do Meio Ambiente, responsável por fiscalizar. E se não há
fiscalização, não adianta a lei ser boa.
Agência Brasil: O Ministério Público faz essa fiscalização?
Sandra Cureau:
Não faz porque não compete ao Ministério Público. O exercício do poder
de polícia compete aos órgãos ambientais estaduais e federal. Pela lei
que regulamenta o Artigo 23 da Constituição Federal, a maioria das
atribuições do Ibama [Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis] foi repassada para órgãos estaduais, que hoje não têm
gente.
Não adianta ter leis maravilhosas se a gente não tem uma
maneira de cumpri-las. Ou seja, se são dadas licenças que não podem ser
dadas, se não há fiscalização das atividades. Nessa área de mineração, é
uma coisa muito comum a ausência de fiscalização.
E depois,
normalmente, quando termina a atividade de mineração, as empresas vão
embora, deixam ali um passivo horroroso e ninguém sabe como lidar com
aquilo. Isso aí é comum. A gente sempre fala isso, o Brasil tem ótimas
leis, agora elas não funcionam porque os órgãos que teriam que exercer o
poder de polícia, no sentido de controlar se elas estão sendo
cumpridas, não fazem isso.
Agência Brasil: O Ministério Público Federal e os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo estão trabalhando de forma coordenada?
Sandra Cureau:
Pedimos ao procurador-geral da República [Rodrigo Janot] a formação de
uma força-tarefa com todos os procuradores envolvidos e mais um
procurador de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, que atuou no
caso de Cataguases (MG), porque ele tem experiência no assunto.
Estamos
tentando aproximar o máximo possível a atuação dos dois ministérios
públicos, de Minas Gerais e do Espírito Santo, e a atuação do Ministério
Público Federal nos dois estados. Há uma intenção de trabalharmos
conjuntamente.
A Câmara de Meio Ambiente atuou, com o
procurador-geral, para a criação da força-tarefa e na contratação de uma
empresa de perícia. Porque os nossos peritos, levando em conta a
dimensão do desastre, não teriam condições de fazer o levantamento de
todos os danos, de todos os prejuízos ao meio ambiente e às famílias que
viviam do rio, sem deixar de fazer o resto do trabalho.
Agência Brasil:
Especialistas dizem que os impactos da lama de rejeitos ainda estão
ocorrendo. Já é possível estimar os prejuízos do rompimento da Barragem
de Fundão?
Sandra Cureau: Um fato que influiu no
nosso trabalho foi que, quando os resíduos do rompimento da barragem
entraram no Rio Doce, tivemos que aguardar para ver até onde iriam, para
ter uma dimensão dos danos. A gente precisa ter um levantamento total
para poder ajuizar uma ação, daí a necessidade de fazer exames
periciais. Porque o rio morreu, os peixes morreram. Os pescadores, que
tiravam seu sustento do rio, não têm mais sustento. Os animais, que
bebiam a água do rio, vão ser afetados. Tudo isso tem que ser levantado.
Para
ajuizar uma ação, é interessante que já se tenha uma ideia, pelo menos,
do tamanho do desastre. Mesmo não sabendo o valor do dano, mas pelo
menos das dimensões do desastre. Em casos como esse, vale a pena
aguardar mais um pouco e ter a dimensão total.
Agência Brasil: A senhora criticou o decreto da Presidência da República que autorizou as vítimas da tragédia a sacar o FGTS. Por quê?
Sandra Cureau:
A presidenta baixou um decreto no qual dizia que, para fins da lei do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, se entendia como desastre natural
o rompimento da barragem da Samarco. Não é um desastre natural. Não se
pode dizer isso. O Executivo falou que teria sido para propiciar que as
pessoas atingidas levantassem seu FGTS.
As pessoas atingidas
devem levantar o FGTS para fazer face a alguma doença, ou à velhice, não
para pagar um prejuízo que não causaram e no qual não tiveram nenhuma
participação. Simplesmente se repassa o prejuízo para as vítimas e com
um agravante. Se para tirar o Fundo de Garantia isso é considerado
desastre natural, será que não vai poder ser usado depois pela defesa da
empresa para tentar descaracterizar um desastre que não é natural?
E
mais: a maioria daquelas pessoas é muito pobre, é um distrito muito
pobre. Que grande FGTS essas pessoas vão ter? Elas ficaram sem casa, sem
móveis, sem nada. É jogar para torcida. O Fundo de Garantia não tem
essa finalidade. Quem tem que pagar os prejuízos é a Samarco, não são as
pessoas com seu Fundo de Garantia.
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Sexta-feira, 04 de novembro de 2015 – Postado por Elismar
Rodrigues
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