Polêmicas tanto no Plano Nacional de Educação (PNE) quanto nos Planos Estaduais e Municipais, as metas relacionadas ao combate à discriminação e desigualdade de gênero tem provocado intenso debate público em todo o país. As discussões se intensificaram desde que, em junho de 2014, foi instituído o prazo de um ano para que estados e municípios aprovassem documentos para sua educação nos próximos dez anos.
Podendo contribuir com o combate à exclusão escolar e com a garantia do direito à educação para toda a população, este tema tem sofrido resistências de setores conservadores e, em alguns municípios e estados, tem sido retirado dos Planos de Educação. Mas o que é possível fazer caso a igualdade de gênero não tiver sido aprovada no Plano?
Apesar de ressaltar a importância do Plano de Educação como instrumento para o planejamento educacional a longo prazo, a socióloga e coordenadora do programa de educação do Geledés – Instituto da Mulher Negra, Suelaine Carneiro, aponta que tanto a Constituição Federal quanto os tratados internacionais*, dos quais o Brasil é signatário, fundamentam e possibilitam a presença da igualdade de gênero nas políticas educacionais e no cotidiano da escola.
No âmbito escolar, segundo a coordenadora, é necessário estabelecer estratégias para que a igualdade de gênero possa estar presente no currículo e no planejamento pedagógico da unidade educacional.
“A igualdade de gênero deve ser discutida no âmbito dos direitos humanos, abordando o respeito entre as pessoas e garantindo o direito a sua identidade de gênero, racial e de pertencimento religioso”, citou.
Para além de garantir o que está determinado na lei em âmbito nacional e internacional, a igualdade de gênero na educação possibilita que a escola dialogue e trabalhe com temas e conflitos presentes no dia a dia das salas de aula. “São as situações do cotidiano que pressionam para que sejam promovidas atividades e formações de professores para esta temática”, afirmou o doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da organização Corsa (Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor), Lula Ramires.
Lula defende que a escola deve propor as mesmas oportunidades para meninos e meninas, contribuindo com sua autonomia e com a construção de uma sociedade sem violência de gênero física e psicológica. “No âmbito da escola, é possível realizar projetos interdisciplinares, eventos, apresentações artísticas, concurso de cartazes e programas de rádio sobre este tema”, exemplifica o coordenador.
Por que falar de gênero?
“A escola é um campo fértil para identificação das questões que envolvem a opressão, os preconceitos, a homofobia, o sexismo, o racismo e outras iniquidades”, de acordo com a coordenadora da Rede de Gênero e Educação em Sexualidade (Reges), Sylvia Cavasin.
“Essas questões estão postas no dia a dia escolar e não há como a escola ignorar essa realidade. A intervenção é um procedimento educativo e necessário e está diretamente relacionada à garantia e reconhecimento das diversidades e dos direitos de cidadania”, destacou a coordenadora que é também coordenadora da organização Ecos – Comunicação em Sexualidade.
Para Sylvia, a recusa e a omissão na discussão sobre a igualdade de gênero é uma posição política que não contribui com a garantia do direito à educação para toda a população.
“Não podemos esquecer que a questão de gênero vai para além da discussão sobre sexualidade. É preciso desconstruir o discurso retrógrado e alienante sobre a denominada ‘ideologia de gênero’. É preciso deixar claro que essa é uma invenção que vai contra as conquistas civilizatórias da sociedade brasileira. É preciso dialogar sobre isso, dentro e fora de escola, em todas as oportunidades e reuniões, nas famílias, na comunidade e na escola”, defendeu.
Mas quais seriam as consequências de uma educação que não aborde as temáticas relacionadas à igualdade de gênero?
“Não falar sobre as questões de gênero permite que uma pessoa não se reconheça no ambiente da escola. E isso pode favorecer a evasão escolar que é um dos grandes problemas da educação brasileira”, apontou Suelaine Carneiro.
“As situações de racismo, homofobia, lesbofobia e demais violências que ocorrem no ambiente escolar não contribuem com uma educação de qualidade e podem levar ao sofrimento, à repetência e à evasão escolar”, reforçou a coordenadora do Geledés.
Disputa acirrada
“Essa é uma disputa que a gente vai ter que fazer dentro das Secretarias de Educação para que prevaleçam estes compromissos [da igualdade de gênero] nas diretrizes educacionais”, destacou Suelaine. E complementou: “agora é o momento para que ocorra a mobilização da sociedade civil, movimentos sociais, organizações, sindicatos, professores, mães, pais, alunos e demais pessoas da comunidade que estejam comprometidos com a garantia de uma educação de qualidade para todas e todos”.
Em meio a este embate ideológico, Lula Ramires recordou a importância do movimento feminista para que a Constituição Federal garantisse a igualdade entre homens e mulheres perante a lei. “Com a aprovação dos Planos, ficou evidente a necessidade dos movimentos feministas e de mulheres voltarem suas ações para a área da educação e exigirem da escola determinados princípios da igualdade e da laicidade”, observou.
* Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças, a Convenção Relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino, a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, entre outros.
EBC/EcoDebate
Sexta, 31 de julho de 2015 – Postado por Elismar Rodrigues
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